Ruth Rachou pertence à geração pioneira da dança moderna brasileira. Da participação no Balé do IV Centenário de São Paulo, início de sua vida profissional, em 1954, o aperfeiçoamento nas técnicas de Martha Graham e Jose Limón, nos Estados Unidos, passando por programas das TVs Tupi e Record, vão mais de 60 anos de contribuições ininterruptas, tanto como bailarina e coreógrafa, quanto no ensino e disseminação da técnica moderna, que lhe conferiram reconhecimento e prestígio na cena contemporânea.
Neste mês de agosto, Ruth Rachou completa 90 anos, comemorados integralmente no Sesc Consolação, com uma programação que, mais do que prestar homenagem, busca proteger e difundir a história desta mestra que se confunde com a da própria dança moderna no Brasil.
Começa no dia 28, segunda-feira, com duas oficinas – Técnica de Dança Moderna de Martha Graham, ministrada por Rachel Annunciato, que foi aluna e pupila de Ruth Rachou; e Preparação corporal para a Dança, com o filho Raul Rachou, que seguiu os passos da mãe em trabalhar e criar dança. Como ele mesmo diz “é a tradição em transformação”.
Na terça, 29, Ruth Rachou faz uma Aula Magna, acompanhada por Benjamim Taubkin, como acontecia nos anos 1980, antes de o músico se tornar um dos mais conceituados maestros e pianistas do país. Aberta ao público e com a participação dos alunos da Escola de Dança de São Paulo da Fundação do Theatro Municipal, apresenta um compilado da metodologia e técnica de dança desenvolvida ao longo da carreira de Ruth Rachou.
A ação reservada para o dia 30, quarta-feira, é a exibição do documentário Ruth Rachou: Dança Afetos Resistência, sobre a trajetória da artista. Com roteiro de Raul Rachou, Talita Bretas e Osmar Zampieri, responsável também pela captação de imagens e montagem, o filme tem como fio condutor sua carreira como reflexão sobre uma geração que se profissionalizou a partir do Ballet do IV Centenário e encontrou novos mercados de trabalho, desde a recém-inaugurada televisão e a incipiente indústria de cinema (através dos estúdios da Vera Cruz), até o projeto do Teatro de Dança Galpão, fruto de novas iniciativas para políticas públicas da cultura. Após a sessão, acontece um bate-papo com a pesquisadora e crítica de dança, Helena Katz, e com o bailarino e professor, Raul Rachou.
Para o encerramento das comemorações, no Teatro Anchieta, Mariana Muniz, Rachel Annunciato e Raul Rachou apresentam, sequencialmente, três trabalhos coreográficos em homenagem à mestra: Rachel Annunciato dança Vivências, obra de Ruth Rachou, inspirada em Isadora Duncan, que estreou, em 1976, na Sala Galpão, um espaço no Teatro Ruth Escobar, financiado pelo governo do Estado de São Paulo, exclusivamente para acolher os acontecimentos da dança, aulas, conferências, exibição de filmes e apresentações de caráter experimental, em meio à Ditadura Militar.
Em seguida, a atriz, bailarina e coreógrafa Mariana Muniz interpreta Speranza!, em releitura da personagem Dona Esperança, criação de Ruth Rachou e José Possi Neto para o espetáculo Sonho de Valsa, de 1979, uma mulher presa em seu limitado e solitário mundo doméstico que, sonhando, se descobre dona de uma subjetividade passível de grande transformação interior.
Duas ou três coisas que eu sei dela, solo de Raul Rachou, que tem como universo de pesquisa e inspiração a história artística de Ruth Rachou, fecha a noite e encerra as homenagens e comemorações.
Idealizado pelo MUD – Museu da Dança, sob organização de Talita Bretas e Natalia Gresenberg, a proposta Ruth Rachou 90 anos, realizada pelo Sesc São Paulo, integra o Projeto contemplado pela 21º Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança.
Um pouco de Ruth Rachou, por Bernadette Figueiredo
Uma bibliografia sobre a dança no Brasil estaria incompleta sem uma referência explícita à vida e obra de Ruth Rachou. O material disponível sobre o tema é particularmente extenso, se acessarmos esse novo manancial de pesquisas informatizadas que se tornou a internet, ou mesmo na consulta e leitura de muitas das obras editadas e (várias delas) raramente encontradas nas livrarias.
Ruth Rachou, bailarina e coreógrafa, é fruto de uma formação por vezes orientada, por vezes autodidata, feita da falta de estímulos oficiais, mas movida pela procura de conhecimentos e aperfeiçoamentos realizados no exterior e por inúmeras leituras de obras na sua maioria importadas.
Falar de Ruth Rachou é falar de, pelo menos, oitenta anos de dança no Brasil. Nasceu em São Paulo, em 17 de agosto de 1927. Começou a estudar balé aos quatro anos, juntamente com sua irmã Ilse, na escola da professora russa Marinova. Em 1935, estudou com Kitty Bodenheim. Em 1938, vai para a Alemanha, na companhia de sua mãe e sua irmã, onde passam seis meses, na cidade de Magdeburg.
Na década de 1940, continua seus estudos de balé com Liesel Klostermann, e, mais tarde, com Maria Olenewa, até 1954, ano do IV Centenário da cidade de São Paulo.
Em 1947, casa-se com Gastão Rachou Filho, com quem tem dois filhos: Gastão e Raul. Em janeiro de 1953, estimulada pelo marido, entra para o Ballet IV Centenário, iniciando sua vida profissional.
A partir de 1956, integra-se ao Ballet do Museu de Arte de São Paulo, dirigido por Lívio Rangan, e trabalha com Abelardo Figueiredo em programas na TV Tupi.
Contratada pela TV Record em 1960, trabalha com a coreógrafa norte-americana Sonia Shaw, experiência que a leva a se tornar coreógrafa da emissora, trabalho pelo qual recebe o troféu Roquete Pinto, em 1963.
Entre 1964 e 1969, dança como solista em vários espetáculos do Ballet Renée Gumiel. Em 1967, viaja para Nova York, pela primeira vez, e começa seus estudos da técnica de Martha Graham; participa do American Dance Festival, em Connecticut (EUA), onde estuda com Jose Limón, e frequenta mais um curso de técnica Graham, entre outros. De volta a São Paulo, dá aulas de dança moderna no Ballet Renée Gumiel, e interpreta Mme. Clecy, em Vestido de Noiva, com direção de Ademar Guerra e adaptação coreográfica de Marilena Ansaldi. Em 1969, participa, pela segunda vez, do American Dance Festival, bem como do Festival Latino-Americano de Dança, da Universidade de Georgetown, em Washington (EUA).
Na década de 1970, faz um show brasileiro no Banco de Desenvolvimento, em Washington, a pedido da embaixada do Brasil (1970); volta a ensinar e coreografar no Ballet Renée Gumiel (1971); abre sua escola em sociedade com Claudia Chati (1972); participa do American Dance Festival pela terceira vez (1972). Entre 1973 e 1979, trabalha intensamente como coreógrafa e bailarina em doze espetáculos, que marcaram a dança em São Paulo e no Brasil. Além disso foi responsável pela coreografia de cinco espetáculos teatrais, entre eles O Evangelho Segundo Zebedeu, que representou o Brasil no Festival Internacional de Nancy, na França.
Eleita presidente da comissão de dança da Secretaria de Estado da Cultura na década de 1980 estreia Tratar com Murdock, com direção de José Possi Neto (1981); torna-se assistente de Klauss Vianna na direção do Ballet da Cidade, em São Paulo (1983); produz e dirige os projetos Inventores da Dança, para a revelação de novos coreógrafos, e Corpo Inteiro, um curso de dança para o ensino médio (1985/1988); participa do espetáculo Nijinsky, com direção de Naum Alves de Souza e coreografia de Célia Gouvêa (1987); e torna-se professora de dança moderna da Escola de Bailado da Prefeitura de São Paulo (1989/2008).
Na década de 1990, já com mais de 60 anos, quarenta deles dedicados ao ensino da dança no Brasil, Ruth ainda realiza projetos como A Técnica Conta a Dança, em parceria com o Centro de Encontro das Artes (CENA); cria o Grupo de Danças Ruth Rachou; e introduz na sua escola os ensinamentos do método Pilates. A partir dessa época, Ruth recebe uma série de homenagens e é convidada a dançar coreografias de profissionais como: Gabi Imparato, Helena Bastos, Juliana Rinaldi, Luis Arrieta e Ivonice Satie.
Em 2012, sua escola passa a se chamar “Estúdio Ruth Rachou” e muda-se para a Rua Augusta, n° 2467 – cj 11, aí permanecendo até o final de 2015.
Ficha Técnica do Projeto
Idealização: MUD – Museu da Dança
Coordenação artística: Ruth Rachou e Raul Rachou
Pesquisadora (exposição virtual): Bernadette Figueiredo
Organização, catalogação e digitalização de acervo: Isadora Dieb e Tatiana Cotrim
Registro em vídeo das ações e documentário: Osmar Zampieri
Coordenação de Produção: Ação Cênica Produções Artísticas
Assistente de produção: Rafael Petri
Apoios: Acervo Multimeio do Centro Cultural São Paulo, Escola de Dança de São Paulo, Fundação Theatro Municipal de São Paulo, Museu Theatro Municipal de São Paulo, Studio Suzana Andersen e TV Cultura.
*Projeto contemplado pela 21º Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança.
Crédito da foto: Djalma Limongi Batista
Programação e Serviço
Ruth Rachou 90 anos
De 28 a 31 de agosto de 2017
Local: Sesc Consolação
Rua Doutor Vila Nova, 245 – Vila Buarque – São Paulo/SP
Informações: (11) 3234-3000
28/8, segunda-feira. Oficinas
Técnica de Dança Moderna de Martha Graham – Com Rachel Annunciato
15h às 18h | 25 vagas | Sala Ômega | Grátis | inscrições de 1 a 15/8 – carta de interesse e cv para danca@consolacao.sescsp.org.br
O foco da oficina é a técnica de Dança Moderna de Martha Graham, um dos grandes nomes da Dança moderna norte-americana. O método Graham cria uma profunda relação entre a respiração e o movimento e dá ênfase ao contato com o chão.
Rachel Annunciato foi aluna e pupila de Ruth Rachou e neste encontro foca com os alunos o percurso vivenciado em anos de aprendizado com sua mestra.
Preparação corporal para a Dança – Com Raul Rachou
19h às 22h | 16 anos | 25 vagas | Sala Ômega | Grátis | inscrições de 1 a 15/8 – carta de interesse e cv para danca@consolacao.sescsp.org.br
Com foco na mobilidade das articulações, a aula terá início com a prática dos ensinamentos de Pilates, tomando o cuidado de fortalecer a musculatura sem enrijecê-la, porque músculos enrijecidos amarram as articulações e somente com articulações desbloqueadas pode-se usar a gravidade como uma força a favor do corpo.
29/8, terça-feira.
Aula Magna Com Ruth Rachou e Benjamim Taubkin
19h às 21h | 16 anos | 50 lugares | Sala Ômega | Grátis – Retirada de ingressos com 1h de antecedência
Ministrada por Ruth Rachou e seu filho Raul Rachou, acompanhados pelo pianista Benjamim Taubkin, a Aula Magna apresenta um compilado da metodologia e técnica de dança desenvolvida ao longo da trajetória de Ruth Rachou com a participação dos alunos da Escola de Dança de São Paulo da Fundação do Theatro Municipal.
30/8, quarta-feira.
Exibição de Ruth Rachou: Dança Afetos Resistência + Bate-papo com Helena Katz e Raul Rachou
19h30 às 22h | 16 anos | 60 lugares | Sala Beta | Grátis – Retirada de ingressos com 1h de antecedência
Documentário sobre a trajetória de Ruth Rachou, que tem como fio condutor sua carreira para a reflexão sobre uma geração que se profissionalizou a partir do Ballet do IV Centenário – um projeto prematuramente abortado –, que encontra novos mercados de trabalho, desde a recém-inaugurada televisão e a incipiente indústria de cinema (através dos estúdios da Vera Cruz), até o projeto do Teatro de Dança Galpão, fruto de novas iniciativas para políticas públicas da cultura. Após a sessão, acontece um bate-papo com a pesquisadora Helena Katz e Raul Rachou.
Orientação de pesquisa histórica: Raul Rachou e Ruth Rachou| Roteiro: Osmar Zampieri, Raul Rachou e Talita Bretas | Captação de imagens e montagem: Osmar Zampieri
31/8, quinta-feira.
Mostra Ruth Rachou 90 anos
21h às 22h30 | 16 anos | 280 lugares | Teatro Anchieta | R$ 20,00. R$ 10,00. R$ 6,00
Vivências – Rachel Annunciato, sob direção de Ruth Rachou.
Em meio à ditadura militar, a Sala Galpão do Teatro Ruth Escobar acolheu o movimento artístico conhecido como Teatro de Dança Galpão. Conhecido como o berço da Dança Contemporânea em São Paulo, foi lá que Ruth Rachou estreou o seu trabalho solo “Vivências” em 1976. Passados 40 anos desde a estreia deste espetáculo, do alto de seus noventa anos, Ruth Rachou recria um novo solo “Vivências”. Para esta nova criação, Ruth Rachou convida a bailarina Rachel Annunciato, que foi sua aluna e pupila por 15 anos.
Direção e coreografia: Ruth Rachou | Interpretação: Ruth Rachou e Rachel Annunciato | Criação e operação de luz: Rafael Petri | Classificação: livre | Duração: 20 minutos
Speranza! – Mariana Muniz
Speranza! dá continuidade ao processo de criação e encenação que partiu das comemorações dos 80 anos da bailarina Ruth Rachou, sob a direção de José Possi Neto. É uma releitura da personagem Dona Esperança, criação de Ruth Rachou e Possi Neto, para o espetáculo Sonho de Valsa, de 1979, uma dona de casa – uma criada talvez -, presa no seu limitado e solitário mundo doméstico. O que vai diferenciá-la de um ser ordinário, é seu universo onírico: sonhando, ela se descobre dona de uma subjetividade passível de grande transformação interior.
Criação e Interpretação: Mariana Muniz | Direção: José Possi Neto | Assistente de Direção: Cláudio Gimenez | Figurino: Fábio Namatame | Cenografia: José Possi Neto | Operação de luz: Rafael Petri | Classificação: Livre | Duração: 20 minutos
Duas ou três coisas que eu sei dela – Raul Rachou
Grande parte do legado de Ruth Rachou continua com seu filho Raul, que seguiu os passos da mãe em trabalhar e criar dança. Como ele mesmo diz “é a tradição em transformação”. Este solo tem como universo de pesquisa e inspiração a história artística de sua mãe.
Criação: Raul Rachou | Interpretação: Raul Rachou e Ruth Rachou | Criação e operação de luz: Rafael Petri | Classificação: livre | Duração: 20 minutos