Quantos amigos temos que nunca pisaram num teatro?
Será que um espetáculo de dança é um programa acessível a todos? O Agenda de Dança convidou três pessoas para acompanharem a estreia do Balé da Cidade e eles contam como foi a experiência.
Assistir um filme no cinema, sair para jantar em um lugar diferente ou arrumar uma mesa com os amigos em um boteco. É o que a gente gosta quando chega sexta-feira e o final de semana começa a ser planejado: um passeio no shopping ou em algum parque, baladas, festa junina que já está rolando, o que não falta é opção. Tem até mesmo a opção de ficar em casa com as cobertas e a companhia do combo pipoca e Netflix. O que tudo isso tem em comum? A gente sempre acaba gastando uns trocados (ou muitos trocados) para relaxar e se divertir, afinal, se até Deus descansou no sétimo dia, o que seria de nós, seres mortais.
Imagine aí quanto que a gente gasta num final de semana com um jantar + cinema, ou boteco + balada. E aí, meus amigos, vou cutucar a ferida: quantos de nós, bailarinos, estudantes e professores, temos amigos que nunca pisaram em um teatro? Quantos amigos temos que nunca assistiram um espetáculo de dança? Dá até um friozinho na barriga só de pensar. Conversando com alguns colegas, existe a impressão de que esse tipo de atração é visto como algo “cult”, “chique” e tem até um ar de elitizado. Mas se a gente fizer as contas, o ingresso de cinema é mais caro do que o ingresso para o espetáculo de dança, a conta do boteco é mais cara do que a peça de teatro e o open bar da balada é mais caro que o ingresso do musical. Vamos falar a verdade, o que nos falta mesmo é o hábito!
Na última sexta-feira (16), estreou a remontagem de “Cacti” e “Paraíso Perdido” do Balé da Cidade de São Paulo sob a direção de Ismael Ivo e com a participação do estilista João Pimenta. O Agenda de Dança esteve presente no ensaio aberto que rolou na quarta-feira (14) e não poderia deixar de conferir também a estreia. Dessa vez, com a companhia de alguns convidados especiais que falaram sobre essa experiência para gente – será que um espetáculo de dança contemporânea é acessível para todo mundo? Como é a sensação de quem nunca viu um espetáculo desse tipo na vida?
> Se você quer saber os detalhes sobre a proposta criativa, músicas, elenco e equipe desses dois espetáculos, clique aqui e confira a matéria que o Agenda de Dança publicou!
Impressões sobre o espetáculo
Gabriela Angelo, 22 anos, relações-públicas, é estudante de sapateado desde os sete anos de idade, além de ter estudado outros ritmos em seu repertório. Como uma pessoa que já está acostumada com os mais diversos tipos de espetáculo, ela disse:
“Para mim, ambos os espetáculos são obras repletas de essência, dinâmica e muitos detalhes. Além de todo o trabalho cênico, é bonito de ver a bagagem, a resistência e a limpeza dos bailarinos da companhia. Espetáculos que arrepiam da cabeça aos pés, um universo de informações que se conversam de forma complementar: as músicas, a direção de iluminação, o figurino, a interpretação no prólogo e a interação com o público presente. Balé da Cidade sempre encanta, e a alegria dos bailarinos de dançarem com a alma surpreende e enche os olhos de alegria.”
Quando assistimos um ballet de repertório, por exemplo, a gente normalmente tem uma história linear, personagens bem definidos, atos separados, figurinos característicos, enfim, toda uma narrativa que nos é mais familiar, que é mais fácil de ser assimilado (e pelo amor de Deus, não estou dizendo que os repertórios não têm suas complexidades), é um formato ao qual estamos mais expostos, seja pelos filmes, novelas e animações. E quando as luzes do teatro se apagam, você ouve sussurros, gemidos, instrumentos aflitos e alguns bailarinos em cena com movimentos frenéticos? A primeira coisa que acontece é um estranhamento inicial (aliás, uma dica, repare nas expressões das pessoas ao seu redor, é ótimo) e ficar perplexo com o que está acontecendo. Eu amo sair do teatro e ficar montando na minha cabeça o que é que aconteceu, quem era o quê, quais os significados de cada momento e etc etc etc.
Nossa sensibilidade é desafiada num nível em que nos vemos obrigados a expandir nossas possibilidades de interpretação para aproveitar aquela experiência. Se para quem já está habituado, esse encantamento impressiona, para quem está indo pela primeira vez, a experiência é ainda mais intensa. Kevin Douglas, 17 anos, estudante, lembra de ter visitado o Theatro Municipal quando ainda era criança e nunca assistiu um espetáculo de dança contemporânea (dupla estreia na sexta-feira!). Ele disse:
“Quando eu recebi o convite de ir assistir a um espetáculo de dança no Theatro Municipal de São Paulo, eu pensei: “Por que não?” E, sinceramente, me surpreendi muito com tudo o que vi (e vivi).Eu nunca havia visto nada parecido. Durante o espetáculo, eu me impressionava cada vez mais com a sincronia dos passos e com as emoções que senti, extraindo-as de cada movimento dos bailarinos. Sem mencionar que pude conhecer mais sobre as obras surrealistas de Bosch. Me sinto honrado de meu primeiro espetáculo de dança ter sido marcado com o Balé da Cidade de São Paulo e de ter conhecido um autor de tamanha genialidade através da dança.”
Crise e dificuldade financeira no meio artístico
Os problemas que envolvem a escassez de recursos no meio artístico são milhares. Várias notícias circulam nos últimos dias sobre os bailarinos do Rio de Janeiro que se veem obrigados a procurar uma fonte de renda alternativa para pagar as contas e até mesmo aqueles que despedem do Brasil em busca de uma carreira menos instável financeiramente. O novo diretor do Balé da Cidade, Ismael Ivo comenta “um balé contemporâneo é um laboratório, ele está sempre criando uma nova partitura de corpo, diferente de uma Orquestra Sinfônica que executa obras já criadas (…). É escrita uma nova partitura para cada corpo, cada momento, cada temporada. Isso exige tempo, preparação e estrutura”. Nesse sentido, Neide Angelo, 52 anos, administradora e participante do grupo vocal “Encantantes” que também esteve conosco na estreia, comenta:
“É um espetáculo maravilhoso e emocionante. Os bailarinos expressam através de seus movimentos delicados, preciosos e altamente sincronizados toda a sua paixão pela dança. A música se materializava suavemente a cada movimento, nos deixando extasiados com tanta beleza. É incompreensível pensar que uma expressão cultural tão linda e apaixonante não tenha a mesma visibilidade e os mesmos patrocínios de entidades privadas e governamentais como acontece com o futebol. E pensar que muitos jogadores ganham num único mês, o que muitos bailarinos profissionais levam mais de um ano para conquistar! A dança precisa receber incentivos para ser popularizada e também atrair multidões em todo o país”
Muita embora pareça um problema complexo e longe das nossas mãos, nós podemos sim contribuir e prestigiar o trabalho de todas as pessoas envolvidas numa produção tão grande convidando nossos familiares e amigos para trocar uma sessão de cinema por uma visita ao teatro. Dessa forma, a gente faz a nossa parte para essa arte continuar em frente e ganhamos o prazer de apreciar um trabalho (como eles mesmos já disseram) tão lindo e esforçado.
E para provar que a oportunidade está mais perto do que a gente imagina, Cacti e Paraíso Perdido estarão em cartaz até 25 de junho:
Ingressos (inteiras)*
Setor 1 – R$ 80,00
Setor 2 – R$ 30,00
Setor 3 – R$ 10,00
*Nas sessões vespertinas (20 e 22/jun), os ingressos serão vendidos por R$ 30,00 (inteira) em todos os setores.
Terça e quinta, às 16h
Sexta e sábado, às 20h
Domingo às 17h
Theatro Municipal de São Paulo
Praça Ramos de Azevedo, s/n – República – São Paulo (SP)
Agora que já sabemos que ir ao teatro não é algo impossível e muito menos caríssimo, hora de convidar aqueles que disseram que nunca tiveram a oportunidade. Quantos amigos você tem que nunca pisaram num teatro?