Crédito da foto: Keiny Andrade
O Núcleo EntreTanto, do coreógrafo Wellington Duarte, debruçou-se em 2021 na pesquisa sobre as distâncias que separam um corpo do outro, um conceito desenvolvido pelo reconhecido artista visual Hudinilson Jr (1957 – 2013). Interessou ao grupo observar o espaço existente entre o amor e o sexo, entre o encontro e o contato. Desse estudo nasceu o trabalho coreográfico Posição Amorosa, peça que reforça a ideia da existência de posicionamentos amorosos, políticos, afetivos e sexuais. Na obra, que tem um caráter de manifesto, o músico e performer Daniel Fagus Kairoz divide o palco com Wellington.
Posição Amorosa estreia no CRD – Centro de Referência da Dança, com apresentações nos dias 6 a 9 de dezembro. Na sequência, de 13 a 18 de dezembro, o espetáculo faz sessões na Oficina Cultural Oswald de Andrade. Todas as apresentações são gratuitas e podem ser assistidas tanto presencialmente nos locais, quanto no formato digital pelos canais de cada um dos espaços.
Com idealização, concepção e direção geral de Duarte, a obra tem dramaturgia e direção cênica assinada por Donizeti Mazonas e textos musicados a partir das obras Infértil, de Rudinei Borges dos Santos e O Inominável, de Samuel Beckett. Com composições, arranjos e direção musical de Rui Barossi, a performance evoca as linguagens da música, teatro e literatura, nas quais Duarte já transitou em sua carreira e que dialogam com a estética proposta também por Hudinilson Jr.
Posição Amorosa avança a pesquisa de Wellington Duarte em relação às situações de atritos, que o artista conceitua como situações que buscam instaurar um caráter insurgente no corpo, numa evocação direta a ele e suas capacidades e potências. “Se existe uma conexão entre arte e política, ela deve ser colocada em termos de dissenso, no sentido de que dissenso produz ruptura de hábitos e comportamentos. Virar do avesso, sacudir o consenso empoeirado, encontrar as contra-potências, os contragolpes, novas desordens que a suposta ordem totalitária encobre”, diz Duarte.
Segundo o dramaturgo e diretor cênico Donizeti Mazonas, Posição Amorosa é uma continuidade direta dessa pesquisa de Duarte. “Essas situações que têm relação direta com a questão do corpo e da política, da arte e da política são um pensamento serial – cada trabalho é uma variação do outro, cada trabalho aprofunda as questões do anterior. É um percurso de exploração e de proximidade de pensamentos”, reforça.
POSIÇÃO AMOROSA: a distância do relacionamento do homem;
do contato, do amor e do sexo.
o distante, inverso, oposto =
o espaço do sonho \ conflito e da solidão.
tensão.
Hudinilson Jr.
São Paulo, 1981-82/83
(Do texto O corpo sempre como princípio, 1983. Arquivo do artista)
A obra tem um aspecto de manifesto, o que a torna apta a acolher várias linguagens artísticas, ainda que a sua base seja a dança, linha de força do corpo que o artista exercita há mais de trinta anos. “Posição Amorosa tem um caráter discursivo e esse é um momento que pede posicionamento em todos os sentidos, já que estamos vivendo um avanço de conservadorismo assustador e tenebroso no país”, diz Duarte. A investigação do coreógrafo de um pensamento disjuntivo de corpo e sua conexão entre arte e política, bem como suas inquietações como artista gay, somam força ao ativismo presente na obra visual de Hudinilson Jr
Duarte reforça que as cores, o cenário e a luz da cena remetem ao contexto gay underground dos anos 1980, com ambientações que lembram banheiros públicos, boates e cinemas. “Hudinilson Jr. sempre transgrediu padrões sociais considerados normais, criando uma obra que busca extravasar a criação, o desejo e o direito à sexualidade plena”, complementa o artista. Outros dois artistas que também se tornaram referências marcantes para a criação são Pedro Lemebel, escritor, ensaísta, performer e ativista gay chileno, com o seu manifesto Falo pela minha diferença, e o cineasta e roteirista britânico gay Derek Jarman, cuja filmografia serviu de referência para o registro audiovisual.
Sobre a obra de Hudinilson Jr.
A colagem, como sistema de construção, permeia a obra de Hudinilson Jr. Mesmo as xilogravuras iniciais foram realizadas com decalques de imagens fotográficas. Já nas colagens de fins da década de 1970 – usa fotografias de nus apropriadas de revistas americanas – os corpos aparecem usualmente sem identidade e em relação com objetos, folhas e raízes secas, texturas. Nas primeiras experiências com grafite a linearidade dos desenhos integra-se à escrita, como em Beije-me. A partir do contato com a obra do artista gráfico Alex Vallauri (1949-1987) passa a utilizar máscaras ou estêncis como instrumentos de produção de imagens.
Em fins dos anos 1970, inicia seus experimentos com fotocópia na produção de arte postal, explorando conjuntamente a repetição e a fragmentação do corpo. No grupo 3Nós3, intervém no espaço urbano, como na ação Ensacamento (1979), onde foram encapuzados monumentos do centro da cidade de São Paulo durante a Ditadura Militar.
A série Exercício de me ver (1981) consiste na reprodução xerográfica de partes do corpo do artista, ao simular um ato sexual com a máquina. Esta ocupa a posição de cocriadora da obra. Hudinilson explora a característica da xerografia de omitir e ressaltar detalhes e converte-a num instrumento de especulação.
Em Narcisse/Estudo para autorretrato (1984), dialogando com o mito de Narciso, produz e investiga sua própria identidade visual. Em seus últimos cadernos de colagens, a figura de Narciso se desdobra com a exposição obsessiva e analítica do nu masculino.
Para o crítico Jean-Claude Bernardet (1936), a fragmentação do corpo pela xerox, converte-o em paisagens abstratas, nas quais os fragmentos se esvaem. Em sua performance com a máquina copiadora, Hudinilson Jr. utiliza seu corpo como matriz para a reprodução e investigação de possibilidades visuais.
Sobre Wellington Duarte
Atua em São Paulo como diretor, bailarino e performer desde 1990 e atualmente dirige o Núcleo EntreTanto. Em sua trajetória promoveu um fazer/dizer no corpo e investiga qualidades corporais além de temas pontuais. Neste contínuo fazer tem elaborado propostas experimentais da fisicalidade, conectando lógicas, pensamentos e questões insuspeitas no corpo. Formado em Artes Cênicas pela Faculdade Mozarteum. Fez Dança Clássica na Escola Municipal de Bailado (1981/1983) e Escola Ismael Guizer (1985/1986); Dança Contemporânea: Denilton Gomes, J.C. Violla, Mariana Muniz, Adriana Grechi, Lucilene Favoreto, Patrícia Noronha, Mugiyono Kasido (Lisboa- Portugal), Karen Nelson, David Zambrano, John Jaspers, Tica Lemos, Maria Mommenshon e Zélia Monteiro.
Sobre Daniel Fagus Kairoz
Iniciou sua carreira como performer em 2000, e em 2001 entrou em contato com a dança. Trabalhou com key zetta e cia; do núcleo de improvisação; Wellington Duarte; Vera Sala, além de suas próprias pesquisas em dança vídeo música desenho e performance.
Criou e apresentou os solos “o maior dos pesos”(2004), “pele pelo osso”(2007),”cocktail” (2007), “serumanus”(2008), “koto-ba”(2008). Selecionado pela VERBO 2008 (evento internacional de performance da Galeria Vermelho), com “Existe alguma possibilidade ética que não acene ao totalitarismo?”, e em 2009 “A Maldição de Ford – homenagem a f?”.
Ganhou o prêmio Rumos dança 2007. Durante dois anos fez parte do grupo de performance “phármakon”, idealizando e apresentando performances. É Bacharel em Dança e Performance pelo curso Comunicação das Artes do Corpo, PUC-SP e atualmente é diretor do coletivo Terreyro Coreográfico.
Ficha Técnica
Idealização, Concepção e Direção Geral: Wellington Duarte
Direção Cênica e Dramaturgia: Donizeti Mazonas
Assistente de Direção: Rafael Costa
Performers: Wellington Duarte e Daniel Fagus Kairoz
Textos: Poemas de Rudinei Borges dos Santos, fragmento do livro O Inominável, de Samuel Beckett e o poema Luto, de Josué Nivaldo
Música – Composição, Arranjos e Direção Musical: Rui Barossi
Guitarrista: Daniel Fagus Kairoz
Técnico de Som: Pedro Canales
Iluminação: Wagner Antonio
Iluminador Assistente: Robson Lima
Técnico de Iluminação: Matheus Silva Espessoto
Direção de Fotografia e Operação de Câmera: Marcos Yoshi e Yghor Boy
Edição: Yghor Boy
Cenografia e Figurinos: Eliseu Weide
Painel Grafite – Arte: Alcântara Puo e Luh Araújo
Assistente de cenografia: Franklin Almeida
Mídias Sociais: Maju Tóffuli
Designer Gráfico: Rafael Markhez
Fotos: Keiny Andrade
Produção: Jota Rafaelli – MoviCena Produções
Assistente de Produção: Luciana Venâncio
Realização: Núcleo EntreTanto, da Cooperativa Paulista de Teatro
Serviço
Posição Amorosa
Núcleo EntreTanto
Dias 6, 7, 8 e 9 de dezembro de 2021
Segunda a quinta-feira, às 19h
Local: CRD – Centro de Referência da Dança / Sala Cênica
Galeria Formosa – Baixo do Viaduto do Chá – s/nº – Praça Ramos de Azevedo, São Paulo – SP
Ingresso: Grátis (Retirada de ingresso 1 hora antes)
Duração: 50 minutos
Recomendação: 14 anos
Transmissão também pelo Youtube do Centro de Referência da Dança no mesmo horário
Dias 13, 14, 15, 16, 17 e 18 de dezembro de 2021
De segunda a sexta às 20h, e sábado às 18h
Local: Oficina Cultural Oswald de Andrade
Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro, São Paulo – SP
Ingresso: Grátis (Retirada de ingresso 1 hora antes)
Duração: 50 minutos
Recomendação: 14 anos
Transmissão também pelo Youtube das Oficinas Culturais nos mesmos horários