A suposição é de que a expressão artística que conhecemos como dança árabe “raqs sharqi” tenha ocorrido antes da conversão islâmica em 579 d.C. em uma sociedade tribal pré islâmica. Onde o comportamento da mulher e seu papel na sociedade eram diferentes. Mesmo após tantos anos da religião islâmica crescer e a personalidade feminina ser excluída pela supremacia masculina, a dança se apresenta como resistência.
O livro Árabes e Muçulmanos de Dias que explica que para poder converter populações, a doutrina muçulmana não ousou interferir nas posturas dos beduínos, principalmente no que diz respeito às liberdades sexuais. A obra “Orientalismo”, de Edward Said, traz a teoria de que é possível compreender o olhar do Ocidente (colonizador) para o Oriente (colonizado) como desejo/fetiche, no que diz respeito à dança oriental.
A mulher, foco principal dos viajantes, se tornou alvo de exportação. O que antes era uma arte praticada em casa para familiares, transforma-se uma atividade pública profissional. Said vai mais além e explica que os escritores produziram conteúdos que as cercavam temas como sexo livre e exótico.
É aí que encontra-se um breve relato sobre o encontro de Flaubert com Kuchuk Hanem, uma dançarina cortesã egípcia muito famosa da época (1850-1870). […]A cortesã é uma personagem presente nas obras de Flaubert e de outros romancistas orientalistas do século XIX. Descrita como uma bela mulher que dançava nua ao som de uma orquestra vendada, Kuchuk inspirou várias obras orientalistas na França, Inglaterra e Estados Unidos. (Edward Said)
Essa cortesã se tornou representação da odalisca. Porém, a mulher árabe apresenta origens ainda ocultas, pelo menos no Egito. Envolve as colonizações britânicas e francesas, que buscam desenhar um modelo adequado/inadequado para o cidadão egípcio com pretensão de civilizar.
o orientalismo moderno surgira com as expedições napoleônicas onde vários estudiosos envolveram-se na tradução de textos e a literatura, pintura e escultura contaram com artistas que haviam inserido-se no campo, dando início a era “orientalista moderna” na arte. (Andrea Soares)
Em um primeiro momento a invasão de Napoleão Bonaparte, em sua busca pelo domínio pelo oriente, entra no Egito em 1798, e se depara com dois grupos de danças praticadas as Ghawazi e as Awalim.
A aparência física exuberante, com o uso de argolas no nariz, grossas tornozeleiras e de tatuagens no rosto, e a ausência do véu, combinados com o hábito de fumar a shisha (narguilé) e consumir bebida alcoólica são elementos que diferenciavam as ghawazi como classe artística e chocavam os turistas europeus. Utilizavam-se de acessórios para diversificar sua performance, como espadas, lenços, bastões ou equilibravam vasos e velas acesas na cabeça. (Roberta Salgueiro)
As Awalim eram artistas contratadas para dançar em haréns como “Artistas polivalentes, além de cantar e dançar, escrever poesias e compor canções, constituíam as principais atividades públicas das awalim”. Eram educadas e sabiam tocar instrumentos musicais, suas performances eram destinadas para públicos feminino, bem remuneradas e valorizadas. Com a crise econômica egípcia nos fins do século XVIII e início do XIX as Awalim mais valorizadas foram para o sul do país e só voltaram com a saída dos franceses. Assim,
artistas que antes não eram consideradas awalim passaram a se apresentar como tal; novas categorias artísticas se desenvolveram, esbatendo as dicotomias originais entre casa/rua; interno/externo; distante/próximo; exclusivo/popular. Acima de tudo, a imagem da dança sofreu a alteração que ainda hoje assombra as profissionais dessa prática e suas famílias, principalmente entre os árabes: a conflação entre as categorias bailarina e prostituta. (Roberta Salgueiro)
Em um segundo momento, com a expulsão dos franceses em 1801 e a colaboração da Inglaterra para a transformação do Egito Otomano, por meio da entrada ao poder de Mohammed Ali, os impostos sobre artistas cristalizam-se mais. Quem consumia e alimentava o mercado da dança nesse período eram militares e credores europeus. Algo preocupante para as autoridades religiosas, pois as artistas eram muçulmanas e não deveriam dançar para não muçulmanos
É importante lembrar ainda que com a forte insatisfação de ambos os lados Mohammed Ali publica um decreto que proíbe a profissão de dançarinas, cantoras e prostitutas no Cairo. A punição da época era de 50 chibatadas, se houvesse reincidência, um ano de trabalho forçado.. Resistências aconteciam e algumas artistas se vestiam como lavadeiras ou pedintes para chegarem à casa de contratantes estrangeiros.
Além da religião o colonialismo é também responsável pelas atitudes negativas na dança. A mídia também coloca conteúdo controlado pelos líderes religiosos. Porém, relembra que no Al Corão não há recomendações específicas em relação à dança e música. Finalizando portanto a imagem cristalizada a mulher até os dias atuais.
Coincidentemente ou não, em 1881 e 1882 se instalaram no Egito escolas com o sistema britânico de ensino, onde foram amplamente difundidos textos que pretendiam moldar os costumes egípcios ao que era considerado adequado na visão dos colonizadores. Esses textos, prontamente absorvidos pela população, continham “idéias sobre o atraso, a indolência e a negligência moral dos egípcios e sobre a necessidade de adotar a moral inglesa. (Cinthia Xavier)
O Contexto Cultural das Danças Árabes texto desenvolvido por Kelly Orianah
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
XAVIER. Cinthia. 5,6.7, ∞ … do oito ao infinito: por uma dança sem ventre, performática, híbrida, impertinente. Brasília/2006
SOARES, Andrea. Um Olhar transversal para as danças do mundo. Rio Grande do Sul/2014
SALGUEIRO, Roberta.Um longo arabesco”: corpo, subjetividade e transnacionalismo a partir da dança do ventre. Brasília/2012