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Mãe e filha recriam Peças Fáceis, de Bach, em espetáculo de dança inédito do Grupo Pró-Posição

Foto: Ines Correa/Divulgação

A bailarina Janice Vieira (76 anos) e a filha Andréia Nhur (34 anos) estreiam o espetáculo Peças Fáceis no dia 12 de maio, sexta-feira, às 21h, no TUSP. O trabalho, resultante do projeto Peças Fáceis – Plataforma Sonorocoreográfica, apoiado pelo ProAC – 04/2016, demarca uma década da parceria das artistas, que retomaram em 2007 as atividades do Grupo Pró-posição, expoente da dança moderna nas décadas de 70 e 80. O grupo foi criado por Janice Vieira e Denilto Gomes (1953 – 1994) em 1973, tendo a primeira fase durado até 1983.

Peças Fáceis tem como referências algumas das peças de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Christian Petzold (1677-1733) organizadas por Bach e sua esposa, Anna Magdalena Bach (1701-1770) no Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach. Músicas de contraponto, muito utilizadas no aprendizado de instrumentos, serviram como material de estudos para Janice Vieira em sua formação como acordeonista, além de guiar Andréia em suas experiências com violão erudito na infância. A partir desta memória musical comum, mãe e filha iniciaram o processo de criação do espetáculo, o quinto em que trabalham juntas após Swan (2007), O cisne, minha mãe e eu (2008), LinhaGens (2009) e Vis-à-Vis (2012).

“Depois de tudo que criamos juntas, quisemos olhar para o que mais poderia ser extraído da nossa parceria. Um ponto de partida para nossa dança é a música como uma presença sempre constante e também a investigação do que ela faz com o corpo que dança”, diz Andréia.

No espetáculo, entendido como “plataforma sonorocoreográfica” – conceituam as artistas – os minuetos de Bach e Petzold são experimentados com violão e pandeiro por Andreia e com castanholas e acordeom por Janice. A dupla também utiliza a voz em momentos solos e conjuntos. Além de construírem em cena uma trajetória afetiva – assinatura dos seus trabalhos – as artistas também criam uma discussão sobre a própria linguagem barroca, que tem em sua concepção um impacto entre diferentes culturas do mundo inteiro.

“Desses minuetos, que são formalistas em sua estrutura, vamos para o canto sefardita (termo referente aos descendentes de judeus originários de Portugal e Espanha) e até para o coco nordestino, sempre em busca do que pode haver entre o som que emitimos e o corpo”, diz Andreia. A mistura de gêneros e épocas não é aleatória: ela tem a ver com a própria concepção do que é o barroco. Etimologicamente, barroco designa uma pérola imperfeita, imagem que reforça os grandes contrastes na arte e na natureza. Exemplos para esse contraste no trabalho são os melismas (mais de uma nota na execução de uma sílaba musical) presentes na música sefardita entoada por Andréia.

Janice, que volta a utilizar a voz em cena depois de anos, ressalta a importância de dançar Peças Fáceis ao lado da filha: “Na década de 70 eu criava espetáculos muito engajados. Nos outros trabalhos com Andreia mantivemos muito esse tom político. Eu me referenciando ao período da ditadura e ela às reivindicações dos tempos atuais, como as manifestações de 2013. Nesta peça, nossa resistência política tem a ver com a celebração do afeto”, explica.

Andréia afirma que Peças Fáceis é um “festejo de resistência” em meio a uma sociedade neoliberal que prevê apenas a desvinculação e deterioração dos laços. “Na minha família costumamos dizer que há um aprendizado artístico transversal, com trocas múltiplas de saberes”. Sobre esse aspecto, Andreia reforça a presença de Ramon Vieira – seu irmão e filho de Janice – na consultoria rítmica do espetáculo. Percussionista e cantor, Ramon apoiou mãe e filha desde o início do processo. “Aprendi pandeiro encostando no Ramon”, complementa Andréia, que toca o instrumento em cena.

Ainda no campo familiar, Peças Fáceis tem colaboração de Roberto Gill Camargo, diretor de teatro, dramaturgo e iluminador. Pai de Andreia e esposo de Janice, Gill trouxe à cena uma luz atmosférica, sem foco específico e que parte do branco até o âmbar.

A peça ainda tem colaboração de Helena Bastos – bailarina, coreógrafa e pesquisadora que auxiliou no pensamento coreográfico do espetáculo, propondo novos desafios de espaço e movimento; da regente, cantora, violonista e pesquisadora Andrea Drigo, instigando potencialidades musicais distintas; da bailarina Adriana Pinheiro, que participou da primeira fase do Grupo Pró-Posição; da cantora e pesquisadora Márcia Mah; e da produtora e assistente de iluminação Paola Bertolini.

Na pesquisa para criação do espetáculo, os atravessamentos vieram desde a memória afetiva até o campo teórico. Andreia utilizou estudos sobre a mestiçagem cultural para pensar o barroco atravessado pela cultura ibérica e nordestina.

Entre os estudos, ela destaca a afirmação do poeta, tradutor e professor Amálio Pinheiro, que define mestiçagem como “uma onça alegre que se alimenta de todas esses outros (bichos, gentes, objetos) escondidos, abandonados e rejeitados”, e não como um mero cruzamento de raças. A afirmação de Amálio também ilumina a ideia modernista da antropofagia – de culturas que se devoram – conceito vivido por Janice no período inicial do Grupo Pró-Posição, em que o modernismo era um movimento efervescente no Brasil e na Europa.

A artista também se debruçou em estudos do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre a ideia do gesto, que ele caracteriza como a “comunicação de uma comunicabilidade”. Daí as possibilidades de encontrar as harmonias nas diferenças entre gestos dançados, gestos musicais, movimentos, habilidade musicais e disponibilidades corporais entre Janice e Andréia.

SINOPSE

A partir de algumas Peças Fáceis do Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach, organizado pelo compositor barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750), em parceria com sua esposa Anna Magdalena Bach (1701-1770), o trabalho propõe um estudo sonorocoreográfico em que movimento e som são produzidos na mesma dimensão temporal, ora por um disparo de voz que é gesto dançado, ora por uma propulsão de instrumento que é corpo.

Performado por duas artistas que são mãe (Janice Vieira) e filha (Andréia Nhur), o espetáculo entoa corpos polifônicos numa ciranda de memórias familiares e culturais para se ouvir dançar. Melodias, pausas e melismas atravessam uma corporeidade híbrida que é som e movimento, música e coreografia, tudo junto num mesmo corpo.

FICHA TÉCNICA

Concepção, coreografia, Criação Musical e Execução: Janice Vieira e Andréia Nhur.
Artistas Colaboradores: Helena Bastos (colaboração coreográfica), Roberto Gill Camargo (colaboração dramatúrgica) e Andrea Drigo (colaboração musical).
Trabalho Corporal: Adriana Pinheiro.
Trabalho Vocal: Márcia Mah e Andrea Drigo.
Desenho de Luz: Roberto Gill Camargo.
Consultoria Rítmica: Ramon Vieira.
Figurinos: Grupo Pró-Posição.
Produção: Paola Bertolini.
Arte Gráfica: André Bertolini.
Assessoria de Imprensa: Ensaio Comunicação.
Fotos: Paola Bertolini e Inês Correa.
Vídeos (Mini Docs): Andréia Nhur, Paola Bertolini e Lucas Mercadante (Equipe Olha-te).
Ação-Fotográfica: Paola Bertolini

SERVIÇO

Peças Fáceis – Plataforma Sonorocoreográfica.
Grupo Pró-Posição
De 12 a 21 de maio de 2017
Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h.
Local: TUSP (Teatro da USP)
Rua Maria Antônia, 294 – Vila Buarque – São Paulo/SP
Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)
Classificação: Livre

– Conversa com Janice Vieira no dia 18 de maio, quinta-feira, às 19h, no TUSP – Gratuito

– Workshop – Corpo, som e silêncio: dança para ouvir (com Andréia Nhur) no dia 1º de junho, quinta-feira, às 19h, no TUSP – Gratuito

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