Crédito da foto: Willy Helm
Cena de Plano de Abandono
De 16 a 20 de setembro (quarta-feira a domingo), o site do Itaú Cultural (www.itaucultural.org.br) volta a ser palco para a programação cênica do Festival Arte como Respiro, levando ao público mais um recorte dos contemplados na série de editais de emergência realizados pela instituição para apoiar artistas impactados pela suspensão social no contexto da pandemia do covid-19. Desta vez, 28 artistas de 12 estados (Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) apresentam 34 espetáculos de dança, teatro e circo para adultos e crianças, que ficam disponíveis por 24 horas para serem assistidos virtualmente.
Ao longo do mês, o Festival Arte como Respiro conta, ainda, com apresentação de contemplados de Música, do dia 23 ao 27, e de Artes Visuais, que entram no site do Itaú Cultural.
As reflexões sobre as consequências físicas e emocionais do atual momento de pandemia, assim como questões raciais e sociais, continuam em pauta nos espetáculos para adultos desta nova série de apresentações no Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas. Com sessões em todos os dias da programação às 20h, este segundo recorte de espetáculos do mês também aborda memórias e lança o olhar ao ambiente externo, tendo a dança como linguagem predominante. As sessões infantis, que acontecem no sábado e domingo, às 15h, o circo é quem dá o tom da temporada, marcando presença com apresentações de números tradicionais e também servindo de base para a realização de espetáculos curtos.
Provocações
A videoperformance cearense Desabituar abre a programação no dia 16 de setembro (quarta-feira), questionando o que o mobiliza as pessoas diante das incertezas deste momento de pandemia. No trabalho, os artistas Edmar Cândido e Eric Vinicius, do coletivo Fuzuê, partem dos seus processos criativos para ressignificar a relação com a casa, onde vivenciam suas habilidades acrobáticas, investigando seus corpos, inventando lugares e reconectando a casa e o mundo.
Também instigada pela atualidade, a cena de dança Por Aqui, do Coletive Umdenós, do Pará, traz as vivências dos artistas Bruno Cantanhede, Leo Barbosa e Rosangela Colares numa realidade que está entre a normalização da vida como fuga do perigo eminente e o isolamento social, suas angústias, medos e preocupações individuais e coletivas. É uma dança para a vida, silenciosa, confinada e resistente em meios às provocações externas, como o trabalho.
A mesma noite conta, ainda, com duas produções conduzidas por questões políticas. A paulista Querida Mamãe, de Dora por Sara, parte do mergulho a atriz Sara Antunes nos escritos de Maria Auxiliadora Lara Barcelos (1945-1976), conhecida como Dora, estudante de medicina brasileira que integrou a organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), que foi presa e torturada no período da ditadura militar, exilada no Chile e acabou cometendo suicídio na Alemanha. Esta cena teatral compartilha trechos de cartas trocadas entre ela e Clélia Lara Barcelos, sua mãe, durante o período da prisão, recriando um campo de comunicação entre o confinamento e a possibilidade da utopia.
Já Michel III, espetáculo completo também de São Paulo, com dramaturgia de Fabio Brandi Torres e direção de Marcelo Várzea, gira em torno do personagem-título, que, incomodado com o papel que lhe cabe no governo, começa a se aproximar do centro do poder. Até que estranhos seres profetizam a sua coroação e ele acaba tornando-se o Rei Michel III. Apesar de várias acusações, ele se mantém no poder, mas saber que pode ser destronado a qualquer momento.
Cartas
Na quinta-feira (dia 17), a sessão das 20h reúne cinco projetos que trazem, em sua essência, a ideia de memória. O carioca Dez dias compartilha e reinventa os diários feitos pela artista brasileira Ana Luiza Fortes e a argentina Sofía Brihet no contexto da quarentena. A proposta é tornar este diário colaborativo, ressignificando, assim, o momento atual, uma vez que o que se vive agora não é mais íntimo. Todos são atravessados por ele.
Cartas Adiadas, por sua vez, coloca mãe e filha dançando uma para a outra os conteúdos de cartas não-enviadas. Com as histórias escritas em seus corpos, a artista e pesquisadora do corpo Sofia Ó e sua mãe, a bailarina e coreógrafa Juçara Amaral, descobrem, ao som da trilha sonora assinada por Luiz Bueno e Raul Misturada, fragmentos, segredos e memórias que as aproximam.
Da Bahia vem A Última Carta, texto do ator Felipe Calicott, que divide a cena com a atriz Dadiele Lima. Partindo da saudade como um sentimento presente nas relações vividas por todos, a questão central é o que fazer quando ela não tem fim. Nesse cenário, os dois personagens trazem à tona as múltiplas faces da saudade, que às vezes é passageira, e em outras, eterna.
As lembranças também conduzem Memórias em Improviso, peça da paranaense Cia Mano a Mana, do músico Marcos Souza e a atriz, bailarina e cantora Karina Souza. Filhos do também músico e compositor Chico Mário (1948-1988), irmão do sociólogo Betinho e do cartunista Henfil, eles misturam música, dança, teatro, textos e gravações para trazer recordações do pai. Estreado em 2012, o espetáculo tem direção de Chico Pelúcio, do grupo mineiro Galpão.
Reunindo fragmentos de dança, a última exibição da noite fica por conta da websérie Plano de Abandono, do Rio Grande do Norte, reorganizando, por meio do encontro à distância, cotidianos recortados por memórias e pela instabilidade. Com concepção, interpretação e direção de Mainá Santana e René Loui, os episódios são costurados com humor por seus corpos negros.
Externo
Na sexta-feira (dia 18), a dança domina a sessão adulta do festival, com espetáculos que têm ainda em comum uma relação com o exterior, com o outros. Em Crise Ambiental ou Humana?, a atriz e bailarina paulista Raquel Polistchuck coloca em questão o ego da produção humana. Nesta videoarte de três minutos, ela utiliza performance, dança, atuação e jornalismo para tratar da relação devastada do ser humano com a natureza.
A eterna vontade de liberdade conduz o projeto paulista Dentro de Casa em Dia de Sol, de Alice Rende, que teve como ponto de partida o confinamento obrigatório na França de artistas que estavam em turnê pela Europa e que foram impedidos de retornar ao Brasil por conta da pandemia da covid-19. Em cena, uma pessoa dança a sua necessidade do outro, em alusão à contradição de seguir recluso no primeiro dia de sol, mesmo após um longo inverno.
Da Paraíba vem Mula, performance da artista de multilinguagens Isaura Tupiniquim que dramatiza um suposto cotidiano e evidencia possíveis incoerências entre a ação e o contexto. Nesse cenário, a mulher encontra-se elegantemente desajustada, forte e precisa, embora frágil e perdida, numa batalha entre sua condição domesticada e selvagem.
O Grupo AfroBreak, de São Paulo, por sua vez, apresenta Cura. Com a proposta de estudar as linguagens da dança e reapresentá-las de forma lúdica e crítica, a companhia traz um olhar lúdico à relação do homem com a natureza. Essas faces, representadas em máscaras e corpos dançantes, buscam uma felicidade vazia, que adoece quem não vive a sua identidade.
Já Sentidos, performance da artista visual e dançarina Eva Maria Maria, de Goiás, busca por sentimentos autênticos para viver e manter uma conexão com a vida e a criatividade. O começo dessa trajetória é o contexto do isolamento social e a vulnerabilidade em relação à saúde, economia e necessidades básicas de sobrevivência. As imagens trazem à tona memórias que desvendam afetividades, a fim de despertar sonhos de possíveis futuros diante de incertezas.
A noite fecha com Silêncio, projeto do coletivo paulista Um Café da Manhã, que traz a releitura de um número circense em formato de curta metragem. Também partindo de olhares sobre os efeitos do isolamento social causado pela pandemia, os artistas do grupo, instalados em diferentes lugares do mundo, trocaram relatos e manifestaram seus anseios.
Circo e dança
No final de semana, a programação adulta do Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas divide a cena com sessões para as crianças. Nesses dois dias, enquanto os pequenos curtem uma série de apresentações guiadas pela linguagem circense a partir das 15h, os mais velhos podem assistir, às 20h, espetáculos de dança e o teatro, que tratam de questões raciais e de novas formas de convivência em tempo de pandemia.
No sábado (dia 19), às 15h, a programação abre com vídeo de apresentação de malabares da dupla de palhaços Chevette & Cotoco. Pai e filho com um vasto currículo de cursos, oficinas, espetáculos e premiações, os artistas paulistas Sidney Herzog e Bernardo Herzog fazem uma apresentação tendo como base diferentes técnicas de malabares.
Enclaunsurados, trabalho de palhaçaria da Cia Dalecirco, de Santa Catarina, formada por Ana Paula Grigoli e Carlos Velazquez, traz três cenas curtas de narrativa não-verbal. Nelas, um casal brinca com sentimentos vindos dessa situação de isolamento e crise social: desânimo, vontade de ter uma ideia, esperança e realidade dura vivida pela grande maioria da população, em relação a escassez econômica e assistência social.
Já a trupe paulista da Caravana Tapioca entra no ar neste dia em três vídeos criados e gravados durante a pandemia, inspiradas num repertório permeado pelo universo circense e da brincadeira. Em O Incrível Salto da Pulga, o palhaço Cavaco apresenta Maria, sua pulga adestrada; já em Chá Comigo, Nina se diverte com tudo o que encontra enquanto prepara um chá para tomar com uma convidada especial. Por fim, em Foca Fofoca, Cavaco apresenta a foca mais fofa do mundo e suas incríveis habilidades.
À noite, é exibido Isolatta, projeto de dança do coletivo formado pelos artistas Fábia Mirassos, Hugo Faz, Naiara Laila e Rony Hernandes, de São Paulo. O espetáculo retrata um dia de quatro artistas, cada um isolado em seu apartamento no mesmo prédio, contrapondo a hiperrealidade da experiência cotidiana da quarentena com a poetização das angústias, desejos e esperanças compartilhadas por todos.
Já o baiano Nem Me Covid problematiza essa necessidade de enclausuramento diante do desejo constante de fuga, de contato com outro e da liberdade de apenas poder escolher “ir”. Tendo em cena a atriz Ella Nascimento e os atores Felipe Calicott e Vagner Jesus, convida o público a mergulhar nas individualidades e repensá-las drasticamente nesse contexto de limitação.
É da Bahia também Combate ao Racismo, espetáculo poético capitaneado pelo ator Wilton Santos, que parte da literatura afro brasileira com a finalidade fomentar o respeito ao negro, ao branco, ao índio e a todas as classes sociais. Através das poesias negras, ele busca minimizar todos os estereótipos contra a negritude.
A questão racial segue em O Encontro – Malcolm X e Martin Luther King Jr, da produtora Aline Mohamad e do diretor Isaac Bernat. Tendo como base as ideias, atuações e estratégias dos dois maiores líderes negros americanos de todos os tempos, o espetáculo vai além do lado político e histórico das trajetórias de Luther King e Malcolm X. Por trás de qualquer ideologia existe um ser humano com dúvidas, contradições, idealismo e paixão pela causa a que se dedica.
Relações
No domingo (dia 20), o último dia deste recorte do festival oferece para a criançada Jerônimo em Quarentena, espetáculo da companhia Circo Caramba, sediada em Campinas, São Paulo. Nela, o palhaço Jerônimo marcou uma live com a sua banda, mas por causa da quarentena os músicos decidiram não comparecer. Aí, ele se transformar em uma banda de um homem só.
A programação exibe, ainda, a série de vídeos em formas animadas Histórias de Pijama, com cinco pequenas histórias sobre amor, trabalho e crítica social, dos gaúchos da Associação Varanda Cultural. O vídeo A Coisa mais Bonita do Mundo mostra como o belo é mais simples do que pensamos; Tira a Mão que daí eu Sento! trata da disputa por um espaço na grama, enquanto Trabalho e Semente aborda o amor de um agricultor por seu trabalho e a insatisfação do patrão. A Pior Coisa do Mundo mostra que as coisas nem sempre são o que parecem ser, e De Janela em Janela aborda um amor nutrido pela distância de uma janela.
O último bloco da temporada começa às 20h, com Emoticon / Quarentena, retratos de ativistas, artistas e trabalhadores de diferentes contextos sociais do Rio de Janeiro, feitos em maio de 2020, em meio à quarentena. Trata-se da realização de retratos e de questionamento que os perpassam, partilhando coletivamente afetos e perguntas que se presentificam nos corpos.
Já a Quase Companhia, de São Paulo, participa do festival com Vizinhos, cena teatral que questiona a relação entre indivíduos que vivem próximos fisicamente, embora estejam pessoalmente distantes. Através da comédia, a história conta com dois personagens com hábitos tão distintos, que acabam entrando em uma guerra, mas sem nunca dialogar.
A dança conduz Sobre o Que Não é Dito, projeto da Giro8 Cia de Dança, de Goiás. Gravadas dentro da casa de seis bailarinos durante a quarentena, as cenas revelam, aos poucos, parte da rotina de cada um, misturando medo, frustrações, melancolia e felicidade. Mesmo separados pela distância, eles dançam juntos e mostram a ligação energética com os que amam e com os que se relacionam.
Por fim, os mineiros do Grupo de Dança 1º Ato apresentam InstHabilidade, Estado Permanente. A partir do espaço limitado de suas casas e com limites de tato e contato, os bailarinos criam, durante o isolamento, estados permanentes de quedas e suspensões. Eles caem, levantam, tateiam e aprendem habilidades de lidar com a instabilidade da vida.
Serviço
Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas
De 16 a 20 de setembro de 2020
Quarta-feira a domingo
Plataforma: site do Itaú Cultural – www.itaucultural.org.br
Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br
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