Crédito da foto: Júnior Cecon
As contradições e utopias existentes na relação entre a Constituição brasileira e as realidades política, social e econômica do país são o ponto de partida de KONSTITUIÇÃO, RÉ EM 2ª INSTÂNCIA, da Cia. Carne Agonizante. Concebida e dirigida por Sandro Borelli, o espetáculo estava pronto para estrear na Oficina Cultural Oswald de Andrade, mas, por conta da pandemia, vai fazer apresentações online de 19 a 27 de junho, todos os dias, às 20h pela página do Facebook e do Youtube do grupo.
Cada dia fica por conta de um bailarino do elenco. Será transmitido um vídeo com a coreografia do espetáculo feita especialmente para o projeto e, em seguida, abre-se uma live para um bate-papo mediado pelo produtor da Cia, Junior Cecon.
No elenco, estão os intérpretes da companhia Alex Merino, Rafael Carrion e Renata Aspesi, além dos convidados Camila Bosso, Gustavo Muliterno, Pietro Morgado, Patrícia Pina, Sabrina Ferreira e Yorrana Soares. A ordem de apresentação está abaixo, no final deste release.
De acordo com Borelli, “a quarentena acabou sendo um combustível a mais para uma potência criativa do trabalho. E esta potência não se deve ao fato da inclusão de outras linguagens, como o audiovisual, mas sim por considerar que os intérpretes puderam incorporar às coreografias novos estímulos inspirados numa sociedade quase que totalmente corrompida, e em grande parte idiotizada, cujo fascismo e ignorância ficaram ainda mais evidentes neste período de pandemia.”
O espetáculo é inspirado no discurso de Ulisses Guimarães (presidente da Assembleia Nacional Constituinte) na promulgação oficial da Carta Magna brasileira em 1988. A pesquisa se apoia em elementos contidos na oratória do parlamentar para desenvolver uma ação corporal cênica que possa exalar as contradições e utopias contidas no documento quando aplicado na realidade política e social.
“Escolhi esse discurso sobretudo pela minha indignação com a atual política nacional, o que acaba potencializando meu trabalho como artista-criador. O que Ulisses Guimarães fala e o que está escrito na Constituição brasileira acabou virando uma espécie de discurso romântico, uma utopia muito distante da realidade. Porque tudo isso é trucidado diariamente pelo Estado atual em conluio com a fé, respaldado pela hipocrisia miserável da classe média viralata brasileira, rumo ao abate civilizatório consentido. Na cena, o discurso de Ulisses é comparado ao que tem acontecido na nossa sociedade atual. Apresentamos o que está escancarado no Brasil: o machismo estrutural, a violência entre as classes sociais, o povo pobre sendo manipulado pelas elites, o racismo total, o feminicídio, homofobia absurda e o ressentimento. Essa violência toda alimentou a criação. O espetáculo, muito irônico e intenso, é uma espécie de poesia corporal de guerra contra essa realidade atual do país”, comenta Sandro Borelli.
Porque tudo isso é trucidado diariamente pelo Estado atual em conluio com a fé, respaldado pela hipocrisia miserável da classe média viralata brasileira, rumo ao abate civilizatório consentido.
O encenador conta que essa pesquisa surgiu em 2016, quando ele foi convidado para criar um espetáculo com um grupo de jovens artistas de uma periferia de Fortaleza, que seria encenado na abertura do festival Fendafor. Depois de pronto, o trabalho, com foco no feminicídio, a direção da mostra considerou algumas cenas muito violentas para serem contempladas pelos convidados ilustres do evento e pediu que elas fossem retiradas da dança. Não aceitando qualquer tipo de censura sobre a sua criação, o trabalho não foi apresentado.
“Voltei para São Paulo frustrado, mas querendo desenvolver o trabalho quando tivesse oportunidade. O tempo passou e, no ano passado, o Wellington Duarte me convidou para fazer um trabalho com o grupo dele, o Núcleo Entretanto, e tive a ideia de continuar desenvolvendo a pesquisa. Neste ano voltei para a investigação ainda mais turbinado por conta do que está acontecendo no país, desse estado neofascista que se apoderou das instituições no Brasil e da violência que está cada dia maior”, acrescenta.
“A proposta do espetáculo é criar uma encenação de extrema violência corporal, ressaltando o quanto somos criadores e criaturas das nossas próprias mazelas e sádicos por essência. Em diversos momentos da nossa existência agimos como abutres embrutecidos em torno de uma carcaça abandonada disputando nacos de ventres do próximo. A morte por si só, já se nos apresenta como uma espécie de gran finale, não há como não perecer sem estar inserido em um momento espetaculoso. Qualquer morte, por mais esperada que seja, deverá apresentar uma empatia, o momento mais arrebatador da aguardada última cena da existência. A pesquisa se orienta na crítica ao Estado e na hipocrisia genética do indivíduo”, diz Sandro.
A palavra Constituição, no nome da dança, é escrita com a letra “K”, em homenagem ao autor tcheco Franz Kafka (1883-1924), referência importante que esteve presente em outros trabalhos da companhia. Já o subtítulo, “Ré em 2ª Instância” refere-se ao fato de que a Carta Magna estaria sendo julgada pela justiça brasileira já em processo de ser condenada definitivamente. “O título poderia até ser ‘Konstituição, bovinos rumo ao abate civilizatório’, que é como nossa sociedade tem caminhado ao longo dos séculos”, explica o diretor.
Sobre o projeto
KONSTITUIÇÃO: RÉ EM 2ª INSTÂNCIA é uma das atividades propostas pelo projeto “Corpo: protagonista perpétuo das dores do mundo”, contemplado pela 26ª edição do Programa de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo. A iniciativa da Cia. Carne Agonizante já contou com a remontagem e temporada em 2019 de dois trabalhos: “Não Tive Tempo para Ter Medo”, inspirado no legado de Carlos Marighella e, “Balada da Virgem – em nome de Deus”, a partir da figura de Joana D’Arc.
O projeto ainda realizou a oficina “Dança como instrumento reflexivo e político”, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, com um total de 150 participantes; e o lançamento de entrevistas na segunda temporada no programa “Utopias”, no Canal Murro TV no Youtube. Nesta última atividade, foram entrevistados Celso Curi, Odilon Roble, Ivam Cabral, Helena Katz, Sérgio Mamberti, Rui Moreira e Sônia Motta.
E ainda está prevista para julho a estreia de um novo trabalho da Cia. Carne Agonizante, também em formato online, inspirado na vida do guerrilheiro Carlos Lamarca (1937-1971).
Ficha técnica
Concepção, Coreografia, Direção, Luz: Sandro Borelli
Intérpretes: Alex Merino, Camila Bosso, Gustavo Muliterno, Pietro Morgado, Patrícia Pina, Rafael Carrion, Renata Aspesi, Sabrina Ferreira e Yorrana Soares
Assistência Coreográfica: Rafael Carrion
Trilha Sonora: Gustavo Domingues
Luz: Sandro Borelli
Figurino e cenário: Grupo
Arte Gráfica: Gustavo Domingues
Fotografia: Júnior Cecon
Preparação Corporal: Sandro Borelli, Vanessa Macedo e Mário Nascimento
Direção de Produção: Júnior Cecon
Serviço
KONSTITUIÇÃO, RÉ EM 2ª INSTÂNCIA
Cia. Carne Agonizante
Temporada: 19 a 26 de junho de 2.020
Todos os dias às 20h.
facebook.com.br/
Ingressos: Grátis
Classificação: 16 anos
Duração: 50 minutos
PROGRAMAÇÃO DAS LIVES
19/06 (sexta) – Rafael Carrion
20/06 (sábado) – Yorrana Soares
21/06 (domingo) – Gustavo Muliterno
22/06 (segunda) – Sabrina Ferreira
23/06 (terça) – Pietro Morgado
24/06 (quarta) – Camila Bosso
25/06 (quinta) – Renata Aspesi
26/06 (sexta) – Patrícia Pina
27/06 (sábado) – Alex Merino